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Sinopse

Quando alguém adopta alguém, num plano afectivo, ou gosta dessa pessoa ou não gosta. Isto é, ou ama ou não ama e, se ama, deixa de ser adoptada para ser filha dela. Quando uma criança se sente adoptada, comporta-se em relação à família como uma prótese em relação ao corpo: sente-se em dívida, e o amor da relação é permanentemente contaminado de hipocrisia. Quando se sente filha, faça o que fizer, não a ameaçam com o abandono, simplesmente porque faz parte dos pais. Quando se sente adoptada, faz número na família, mas não faz parte dela. Quando se quer fazer de um filho uma criança adoptada, ter um filho é uma obra de caridade. Quando se quer fazer duma criança adoptada um filho, reconhecemo-nos nele, e toleramos melhor a nossa condição humana. Sobretudo porque ele será tudo aquilo que não fomos e fará o que deixámos por fazer.

NOTA INTRODUTÓRIA
Tenho defendido, em muitas circunstâncias, que o modo como é a vida das crianças não tem merecido, por parte do Estado, os cuidados que elas exigem. Se, por um lado, tem havido medidas legislativas e intenções societais relevantes que vão no sentido de proteger a vida das crianças, na verdade elas nunca têm representado uma prioridade para o próprio Estado. Não representam quando os direitos dos pais prevalecem, quase invariavelmente, sobre os direitos das crianças. Não representam quando se promovem várias ilegalidades como aquelas que levam a que inúmeras crianças sejam protegidas com medidas provisórias que se perpetuam por anos. Não representam quando se multiplicam (e atropelam) programas ministeriais que se dedicam às crianças em perigo (por vezes, sobrepondo esforços técnicos e humanos que não se articulam uns nos outros, cuja eficácia se torna limitada e que desperdiçam muitos recursos e actos generosos). Não representam quando se criam medidas legislativas sem que, a par, se promova uma revolução na política da infância, uma radical alteração da política social de apoio à família, e uma profunda transformação judicial nos procedimentos que são tidos com elas.
Neste contexto, os tribunais têm prestado relevantes serviços e, ao mesmo tempo, preocupantes omissões em relação aos interesses das crianças. Se há procuradores e magistrados que tomam os interesses de cada criança requerendo para ela o que, em consciência, exigiriam para os seus filhos, outros há que - por voluntarismo - tomam medidas que, diante de conflitos de interesses parentais, enviesam a interpretação acerca dos legítimos interesses das crianças e, sob interpretações muito pessoais dos textos jurídicos, promovem maus-tratos em nome da Lei. Para além do mais, em muitas circunstâncias, o magistrado, pese embora a sua boa fé, é muitas vezes penalizado com assessorias técnicas tão displicentes e dilatórias que, contra a sua vontade, se vê resignado a decisões minimalistas acerca da vida das crianças, tal é a inconsistência dos apoios que recolhe.
Num cenário como este, tenho questionado se fará sentido que as medidas de urgência que as crianças exigem deverão ser do foro jurídico-judicial ou, pelo contrário, do âmbito sano-judicial. Quero dizer que, a meu ver, os critérios do que é urgente para o desenvolvimento de uma criança deveriam ser, sobretudo, do âmbito da saúde, legitimados — como noutras áreas do direito bio-médico — pelo poder judicial. Isto é, não tem de ser imputado a um magistrado a competência para declarar que um feto possa ser, continuadamente, maltratado in útero, pelos consumos politoxicodependentes da sua mãe, quando a Lei não confere a um bebé por nascer os direitos de cidadania que levariam a accionar medidas de protecção. Nem pode ser do foro, estritamente, judicial a forma como se limita ou inibe o poder paternal que confere a um Tribunal um poder quase divino, que empurra o magistrado para uma justiça salomónica (inibindo-o, na maioria das vezes, dada a violência que uma tal decisão acaba por representar e porque ele próprio, nos seus desempenhos parentais, reconhecerá - humanamente - limitações e falhas que, porventura, não serão aconchegantes aos olhos da Lei).
Pensando nestes e noutros aspectos, decidi re-editar (com o auxílio, precioso, da Ana Rita Seixas, da Raquel Vieira da Silva e da Sofia Gonçalves) este livro. Será, nalguns momentos, um documento de divulgação e, noutros, um documento académico (por vezes, demasiado jurídico, por vezes, excessivamente psicológico). Ainda assim, tenho esperança que seja útil e rebelde, sensato e interpelante. Estou certo que, a acontecer um dia, a 4.ª edição será melhor.

EDUARDO SÁ


ÍNDICE

Nota Introdutória

1. Breve História da Infância
Breve história da criança e da família - EDUARDO SÁ

2. O Direito da Criança
Poder paternal e parentalidade - EDUARDO SÁ
Poder paternal e violência escolar - EDUARDO SÁ
A alienação parental - EDUARDO SÁ
A nova lei da adopção - MARIA CLARA SOTTOMAYOR
A adopção singular nas representações sociais e no direito - MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Quem são os "verdadeiros" pais? Adopção plena de menor e oposição dos pais biológicos - MARIA CLARA SOTTOMAYOR

3. Crianças em Perigo
Encontros com a ternura - EDUARDO SÁ
A criança e o perigo: clarificação, consequência e intervenção - EDUARDO SÁ/RAQUEL VEIRA DA SILVA/SILVIA MATELA/ANA ABRANTES
Crianças perigosas e crianças em perigo - EDUARDO SÁ

4. A Criança e a Adopção
Esterilidade e adopção: os pais, as crianças e as circunstâncias que criara (des)encontros - EDUARDO SÁ
A adopção e o nascimento da família - EDUARDO SÁ
Os meninos do sonho - EDUARDO SÁ
A fertilização do sonho - EDUARDO SÁ

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Autor(es)

Eduardo Sá

Eduardo Sá é psicólogo clínico e psicanalista, professor da Universidade de Coimbra e do ISPA, em Lisboa. É autor de artigos e de livros científicos na área da psicanálise e da psicossomática. E de livros de divulgação no âmbito da saúde familiar e da educação parental. Foi colaborador da Antena 1 durante anos e assinou o programa Amor em Tempos de Crise, com Fátima Lopes, na TVI24. Atualmente faz o podcast Porque Sim Não é Resposta com Judite França e Bruno Vieira Amaral, na Rádio Observador, e escreve todos os domingos para o jornal Observador.

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Maria Clara Sottomayor

Juíza Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça, desde 18 de setembro de 2012. Foi também Juíza do Tribunal Constitucional entre julho de 2016 e julho de 2019. Doutorada em Direito Civil pela Universidade Católica Portuguesa – Porto, onde lecionou entre 1989 e 2012 várias disciplinas de Direito Civil, entre elas, Direito da Família e Direito das Crianças.

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