Existe algo insondável nos sonhos: um umbigo que os une ao desconhecido. O sonho habita uma profundidade doméstica, mas estrangeira, um alhures desconhecido e nosso. Prestes a contá-lo, dizemos: “Espera, que já me lembro.” Enquanto procuramos salvar os seus objectos, os rostos, as frases, os lugares horríveis ou deliciosos, eis que começa o lento naufrágio da memória onírica.
Dar ouvidos à vida onírica aproxima-nos de nós próprios, das multiplicidades das nossas consciências. Para experimentar de dia as variedades de experiências que o sonho nos concede à noite, seria necessário viver sete vidas. O que nos acontece numa noite é comparável a uma viagem no espaço, no tempo e no corpo: podemos voltar a ser crianças, tornarmo-nos animais, visitar o passado e o futuro, adoecer e convalescer e assistir ao nosso funeral.
São as horas mais intensas da nossa vida, as mais pessoais, as mais misteriosas. Começam quando apagamos a luz.