Novo título da colecção de poesia dirigida por Pedro Mexia: Após uma espécie de trilogia (que inclui o livro anterior publicado nesta colecção, Retrato com Erro) na qual a violência e o horror predominam, Eucanaã Ferraz reencontra em Raio a leveza que marca a sua trajectória de três décadas. «Se chegássemos a dizer uma só palavra no tempo do raio poderíamos ver as sílabas riscadas nítidas no espaço.» Canções (com João Gilberto), anedotas teóricas (a mimese e o rouxinol, à Wallace Stevens), casos, despedidas e perfis (magistral, o de Murilo Mendes, grato, o de Gastão Cruz), os poemas de Raio, sempre intrigados e muitas vezes interrogativos («what’s in a name?»), têm uma unidade na sua diversidade. Densos no verbo, graves no tema ou no tom, são apesar disso leves e ágeis nos processos, nas enumerações, no transporte do verso, na prosódia vigiada ou na vocação musical. A poesia, a vida e a «vida da poesia», para evocar de novo Gastão, equivalem-se, ainda que aquilo que num poema é transparente possa tornar-se enigmático no seguinte. E a evidente mestria técnica nunca se limita à técnica: veja-se a fala do peixe morto num mercado, que nos inquieta com a força de uma metafísica agnóstica, meditativa, à Drummond. Depois de Retratos com Erro, voltamos nesta colecção à poesia sofisticada e comunicante de Eucanaã Ferraz, na qual a verdade das coisas, não sendo inatingível, dura apenas o tempo de um relâmpago. — Pedro Mexia