Rocha sem fòrma ou sombra,
procuro alguma perfeição
por mão artífice.
Por outro lado,
ardo, um braço, uma tocha
com a ferocidade, a malícia cruel
de uma infância outra.
Escurece. Rostos dissolvem-se, negros,
observados a fògos-fátuos, vigilantes:
um sistema construído
para mútua espionagem e juízo.
Um sistema de absorção da coragem:
dor, suas causa e conseqüência.
¿Quem tem a chave da concha vazia
do dia-a-dia... onde se acolitam
conseguimentos por conta d’ outrem?
Frustrante. Apenas um esbôço
de movimento para diante
visto nos diferentes ângulos.
Mas uma ideia deve escrever-se
vezes sem conta, no caminho
d’ alguma moratória certeza.
Hesito, solitário de novo
no perigo da escrita
pelo campo das imagens
convencionais, à procura
do encontro e da superação
em sua honra: depauperando-me.
Campo do silêncio e da chama
ateáveis. ¿Quem tem a chave
de um longo e duro olhar?
Ler mais
Paulo da Costa Domingos
Lisboa, 1953.
Começa a publicar versos aos dezanove anos de idade, ainda durante a ditadura. Da pouco mais de meia centena de títulos (não nobiliárquicos, apesar do seu espírito aristocrático) que se lhe conhecem, pode ler-se no livro Carmina [carmes], de 1995, um friso de vida literária entre surrealistas, relapsos e desertores. A sua conflituosa passagem, quer pela imprensa periódica, ficando registada no livro Vaga (1990), quer pela estupidez crónica, com registo nos livros JudiceariaseCorrida de Galgos com Lebre Mecânica (ambos de 2000), de par com os tumultos suscitados pela sua condução dos trabalhos de co-organizar e fazer imprimir a antologia poética Sião (1987), cobriram-no por um estigma público de “mau feitio” somente clarificado aquando da publicação do panegírico Narrativa, em 2009.
Paralelamente, é conhecido como editor da Frenesi, e aí – autodidacta filho de seu pai desenhador cartográfico – fez das artes gráficas uma girândola implacável no seio do nojo estético que pulula pelos escaparates das livrarias. Mas como filho de peixe para saber nadar precisa de seguir o cardume, cedo (logo em 1972) procurou e encontrou no mentor da casa & etc a esteira para os seus destino e deriva, de que deu há pouco notícia pessoal no livro de homenagem a Vitor Silva Tavares, & etc uma editora no subterrâneo.
De-novo-de-novo, há a assinalar os títulos das suas obras mais recentes (entre 2004 e 2012): novas versões de Gogh Uma Orelha Sem Mestre e de Asfalto, e Nas Alturas e O Homem Quase Novo, que fecham o ciclo-frenesi; de regresso aos velhos hábitos, publica consecutivamente na & etc A Escrita (2010), Averbamento (2011) e Versos Abrasileirados (2012). Mais recentemente, publicou «voici la poésie ce matin et pour la prose il y a les journaux» (2014), Cal(2015), A Céu Aberto (2017), Sumo de Limão (2017), Jocasta (2018) e Dizimar (2018).
Por último: contra a vontade governamental, continuará a escrever na língua portuguesa.
Ler mais