Em tempos que não exigiam aos mundos do trabalho e do êxito social um certificado comprovador de estudos académicos, de bom-tom era mostrar que se dispensavam as más convivências do ensino público, fazendo tudo passar-se em ambientes domésticos e com mestres privativos.
Nasceu assim o preceptor.
O preceptor dos antigos gregos e latinos era em geral um escravo liberto com conhecimentos suficientes para aproximar os jovens das suas letras e da sua erudição. A Idade Média, cheia de homens religiosos, preferiu neste papel os capelães. Mas a Idade de Ouro do preceptor foi a época do Renascimento. Havia, quanto a artes e a ciências, uma vontade colectiva de chegar mais alto, dando a estes mestres de casa rica um imprescindível papel. Começam depois as opiniões a dividir-se. Rousseau, que se estendeu sobre este tema no seu Émile ou de l’éducation de 1762, preconizou que era preferível o mestre «de cabeça bem formada ao de cabeça bem cheia» e, a exigirem-se ambas as coisas, houvesse mais sobre costumes e entendimento do que ciência. Mas seria preferível tudo isto sem um preceptor.
[…]
«Gabrielle de Bergerac» conta uma história escrita por um Henry James com vinte e seis anos de idade; ou seja, da época em que ele se resolvia, perturbado por algumas hesitações, a dar à escrita um papel que a faria surgir como sua ocupação central. […] Não obstante este lugar muito do início da sua carreira literária, «Gabrielle de Bergerac» surge com uma característica que viria a tornar-se persistente ao longo de toda a sua obra, ou seja, a narrativa contada a partir de um ponto de vista associado a uma das suas personagens.
[…]
Esta história dos começos do autor Henry James também nos mostra a sua preferida criança complexa (muitas vezes mais complexa do que os adultos da sua convivência) a primeira entre as que ele viria a criar em The Turn of the Screw, What Maisie knew ou no conto «O Discípulo» que integra este volume; crianças abandonadas pela indiferença paterna e que a outros distribuem o papel de personagens centrais da sua vida — aquelas que muitos estudiosos da obra de James reconhecem como uma inequívoca referência autobiográfica. […]
[Aníbal Fernandes]
Tradução e apresentação de Aníbal Fernandes.
Ler mais
Henry James
Henry James nasceu em Nova Iorque em 15 de Abril de 1843. Era filho do filósofo Henry James e
irmão do psicólogo William James. O pai procurou dar aos filhos a melhor das educações. A família viajou para a Europa em 1855 e durante três anos percorreu os museus e os teatros franceses, suíços e ingleses.
Regressou aos EUA em 1858, mas dois anos depois Henry e William voltariam a Inglaterra para estudar com o pintor William Morris Hunt.
Henry James inscreveu-se em Direito em Harvard em 1862, mas o seu interesse pela literatura e a leitura de Balzac, Hawthorne e George Sand levaram-no a abandonar o curso.
Já então se revelava um espectador da vida, recusando-se a participar no que ela tinha de mais emocional, o que o não impediu de ter uma intensa actividade social.
No começo de 1869, visitou diversos países europeus, regressando a Cambridge em 1875.
Passou depois um ano em Paris, onde conheceu Daudet, Maupassant e Zola.
Em 1876, fixou-se em Londres, onde escreveu The American (1877), Daisy Miller (1878) e a que é talvez a sua principal obra, Retrato de Uma Senhora (1881).
O seu tema recorrente é o confronto de valores entre os Estados Unidos e a velha Europa e, em particular, a questão da inocência. Mas, apesar da importância das suas personagens femininas, as suas relações sentimentais com mulheres foram quase inexistentes, apesar de o sexo não lhe ser de modo algum indiferente. Embora tenha vivido quarenta anos em Inglaterra, considerava ridícula a ideia de casar com uma britânica. E disse certa vez a uma amiga, ao falar sobre o casamento: «Tal como estou, sou bastante feliz e bastante desgraçado, não desejo acrescentar nada a nenhum dos
pratos da balança.»
Os que o conheceram na meia-idade recordam- no como um homem alerta, nervoso, gesticulante e ao mesmo tempo de fala pausada.
Na segunda fase da sua vida literária, escreveu três romances de conteúdo político e social: The Bostonians (1886), The Princess Casamassima (1886) e The Tragic Muse (1890).
Entre 1890 e 1895, escreveu sete peças de teatro, procurando afirmar-se como dramaturgo (duas foram encenadas, sem êxito, como nos conta David Lodge em Autor, Autor). Na década de 1890, publicou duas obras notáveis, O Que Maisie Sabia (1897) e A Volta do Parafuso (1898), onde o olhar inocente das crianças se integra no universo onde o mal espreita.
As duas principais obras finais, As Asas da Pomba (1902) e A Taça Dourada (1904), caracterizam-se por uma prosa mais densa e intrincada, até porque os textos eram ditados à sua secretária.
Passou a maior parte dos últimos oito anos em Lamb House, na província de Rye, acompanhado de quatro criados, jardineiro, secretária e numerosas visitas, tendo como vizinhos Joseph Conrad e Ford Madox Ford. Em 1915, James adoptou a cidadania britânica, solidarizando-se com o país em guerra.
Morreu na tarde de 28 de Fevereiro de 1916, com 72 anos, após uma longa doença passada entre sombras, homenagens e delírios.
Ler mais