Consta que, de entre os vários ramos da Arquitectura, aquele que tem por finalidade a regeneração do património de uma cidade será o que exige maior delicadeza já que lhe preexiste a obrigação de estabelecer pontes entre as populações viventes e as que se foram sucedendo, século após século. Ancorado nos testemunhos do passado, o arquitecto vê-se, no entanto, na obrigação de oferecer aos vindouros novas soluções físicas, concretas e coerentes e, ao mesmo tempo, transfiguradas. Labor exigente, uma vez que em causa está sempre o fazer e o desfazer do tempo.

O Tempo no Tempo fala da vulnerabilidade dessa condição e, ao mesmo tempo, evoca o poder escultórico que o próprio tempo exerce sobre a realidade material, desafiando a criatividade. Este título, por ser simultaneamente redundante e filosófico, anuncia a sofisticação que caracteriza o estudo agora publicado. Para além do seu carácter técnico, ele revela não só um conhecimento detalhado da morfologia de um agregado urbanístico, como uma forte entrega afectiva é tarefa que lhes coube em sorte – reconstituir aquilo que podemos designar pelo coração do coração da cidade.

O Tempo no Tempo é, assim, a memória descritiva de cinco intervenções profundas realizadas sobre cinco espaços edificados na zona histórica de Loulé, monumentos reabilitados que careciam de actualização, outros fortemente minados pela ruína do passar dos séculos ou, simplesmente, sobreviventes das hecatombes da indiferença.

De ora em diante, só conhecerá a alma profunda da cidade quem tiver ocasião de passar por estes diferentes lugares restaurados – os Banhos Islâmicos e a Casa Senhorial dos Barreto, o Núcleo do Castelo, Alcaidaria e Convento do Espírito Santo, a Igreja Matriz de São Clemente e a Casa Nobre Azevedo e Silva transformada em Conservatório de Música.

Lídia Jorge (adaptado do texto introdutório “A Cidade Revelada".