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Entrevistas com António Lobo Antunes, 1979-2007 Confissões do Trapeiro

Fora de Coleção

Edição de Ana Paula Arnaut

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Sinopse

Prefácio

Num texto enviado para a Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro e postumamente recolhido no volume Ecos de Paris, Eça de Queirós desenvolve uma curiosa digressão acerca do termo e do conceito de entrevista. O vocábulo (melhor: o verbo) que então se ia impondo era um anglicismo de evidente mau gosto: "Este vocábulo interviewar", escreve Eça, "é horrendo, e tem uma fisionomia tão grosseira, e tão intrusivamente yankee, como o deselegante abuso que exprime." Em vez deste, o grande escritor prefere o termo que hoje trivialmente utilizamos e explica o seu sentido metafórico: "O verbo entrevistar, forjado com o nosso substantivo entrevista, seria mais tolerável, de um tom mais suave e polido. Entrevista de resto é um antigo termo português, um termo técnico de alfaiate, que significa aquele bocado de estofo muito vistoso, ordinariamente escarlate ou amarelo, que surdia por entre os abertos nos velhos gibões golpeados dos séculos XVI e XVII". E quase a terminar a digressão, Eça rende-se ao neologismo, sublinhando nele a feição de "um acto em que as opiniões tufam, rebentam para fora, por entre as fendas da natural reserva, em cores efusivas e berrantes."
No texto de Eça, aquela entrevista e o acto de entrevistar não se reportavam a um escritor, mas antes a um rei, Humberto de Itália. Se os escritores já tinham ganho a relativa notoriedade que o caso de Eça bem atesta (e, do mesmo modo, as suas influentes crónicas de imprensa), uma tal notoriedade situava-se ainda aquém da projecção pública e sobretudo do propósito de revelação do pensamento que a mencionada entrevista cultivava: o acto de "sondar e puxar para fora o pensamento íntimo do rei Humberto" privilegiava uma figura com a relevância política de um monarca; e o jornal que acolhia a entrevista (o parisiense Figaro) acrescentava um bem nítido destaque à revelação.
Não significa isto que declarações e confidências arrancadas a um escritor não pudessem ter interesse público e sobretudo significado doutrinário. Justamente no século XIX assistiu-se à publicação das Conversações com Goethe (1836-1848), por Johann Peter Eckermann, amigo, admirador e de certa forma confidente do genial autor do Fausto. Mas as ditas conversações (algo mais do que conversas) não só não podem ser confundidas com uma entrevista formal, tal como presentemente a entendemos, como a sua publicação ocorreu em livro, revestindo-se, também por isso, de uma menor visibilidade (como hoje diríamos), ao mesmo tempo que ganhavam peso e densidade "institucionais"; para além disso, algumas vezes elas foram publicadas com o título Conversações de Goethe com Eckermann e mesmo como Conversações com Eckermann, aparecendo Goethe em lugar autoral. Mas se aquelas conversações tivessem aparecido nas páginas de uma gazeta da época, talvez rapidamente elas tivessem mergulhado no esquecimento que a publicação na imprensa favorece, muitas vezes injustamente.
Prolongar a vida da entrevista (ou das entrevistas) num livro pode ser um acto de salvaguarda da memória do escritor e daquilo que ele significa para nós e para quem depois de nós virá: é esse, para já, um dos méritos deste livro de Ana Paula Arnaut, hoje em dia uma das mais competentes estudiosas da obra de António Lobo Antunes. O que desde logo encontramos nestas Entrevistas com António Lobo Antunes (moduladas com o saboroso e enigmático subtítulo Confissões do Trapeiro, que a leitura do livro esclarecerá) é a metódica recolha de um alargado conjunto de entrevistas dadas pelo grande escritor entre 1979 e 2007, ao longo das quase três décadas em que se foi afirmando, evoluindo e refinando a obra daquele que é hoje geralmente considerado um dos maiores romancistas da nossa literatura.
As entrevistas que neste volume podemos ler não são depoimentos fortuitos; são circunstanciadas e não raro alargadas indagações conduzidas por destacados jornalistas portugueses, em certos casos alguns daqueles que regular e atentamente têm acompanhado a produção literária de Lobo Antunes e o seu trajecto de escritor. Por exemplo: Luís Almeida Martins, Clara Ferreira Alves, Rodrigues da Silva, Sara Belo Luís, Adelino Gomes ou Maria Augusta Silva. A recolha das entrevistas vai além da compilação e aprofunda-se num verdadeiro trabalho de edição. E assim, o texto introdutório de Ana Paula Arnaut e o índice de matérias que encerra o volume apontam para caminhos exegéticos que estas entrevistas abrem e para dominantes semânticas que elas sugerem, sendo certo que as palavras do escritor não devem ser lidas como directrizes interpretativas, mas antes como desafios à descoberta de sentidos que dialogicamente (ou seja: em regime de interpelação) vão emergindo "por entre as fendas da natural reserva". Nas palavras do entrevistado encontramos, naturalmente, o estilo Lobo Antunes, traduzido no seu bem conhecido tom discursivo: provocatório, às vezes um tanto blasé, a espaços intolerante, muitas vezes nostálgico, memorial e um tanto amargo, em certos momentos deixando entrever uma sensibilidade, mesmo uma ternura que só podem surpreender quem não tiver convívio frequente com personagens, com situações e com emoções que atravessam a ficção do autor de Memória de Elefante.
Não se procure, por fim, nestas Entrevistas com António Lobo Antunes, uma chave-mestra para se entrar na sua obra, consabidamente uma obra complexa, narrativamente sinuosa e plurívoca, às vezes no limiar do hermetismo. Muito menos encontraremos aqui uma teoria do romance (ou das suas categorias fundamentais: personagem, tempo narrativo, acções diegéticas, etc.), configurada como cúpula doutrinária de uma obra ainda em devir. Em vez disso, descubra-se nestas entrevistas o estimulante desafio para um encontro com um escritor que vive a escrita literária com uma intensidade e com uma coerência que são também indício claro de uma autenticidade artística sem limite nem reservas.
Carlos Reis

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