A Gramática de Deus na Novela Maria Moisés de Camilo Castelo Branco
Francisco Martins
Sujeito a confirmação por parte da editora
Detalhes do Produto
- Editora: Colibri
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- Ano: 2023
- ISBN: 9789895663293
- Número de páginas: 128
- Capa: Brochada
Sinopse
Na frase (os socialistas de hoje (...) estão a chocar o ovo de uma coisa pior, que há-de ser os socialistas de amanhã) temos uma surpreendente intuição profética de Camilo, transferida para o seu jovem personagem.
Ao referir «o ovo de uma coisa pior que há-de ser os socialistas de amanhã», Camilo está (certamente a partir dos rastos das convulsões de 1848, dos pesados sinais que vieram de Itália e da Santa Sé – incluindo nestes a encíclica Quanta Cura, de Pio IX – dos recentes sinais da Comuna de Paris, dos da Internacional Socialista) está a antever que, nas gerações seguintes, a sociedade (os sectores com poder no espaço público) iria pautar-se por ideais estritamente «humanos», terrenos, materialistas (cuja articulação com a nossa identidade histórico-cultural seria já ténue) e onde os sentidos do transcendente e do religioso estariam já menosprezados, bastante ausentes. (...) Mas que ovo veio a ser esse...?
O conforto histórico da retrospecção permite-nos, hoje, identificá-lo: se ele «há- de ser os socialistas de amanhã», e porque esse ovo será pior (que o dos socialistas do tempo de Camilo) conclui-se então que só pode ter sido a dramática instauração do comunismo no séc. XX, primeiro com o modelo soviético e depois com o chinês – tornando-se nos mais trágicos modelos socialistas, de proporções devastadoras (e longamente ocultadas!)
Eis o cumprimento da profecia intuída por Camilo, iniciado pouco mais de cinquenta anos depois de ter composto esse diálogo entre os dois jovens, na primeira parte da novela! (Pp. 46-47).
Ao acolher e cuidar de crianças marcadas por situações dramáticas, Maria Moisés vive a essência da experiência cristã: não lhes dedicou apenas uma parte do seu dia, mas todo o seu tempo – toda uma vida! Ela doou-se a essa importante causa social, e sem daí retirar qualquer proveito. E o leitor pode, implicitamente, ver ainda nela a virtude da humildade: nunca saiu da sua boca qualquer crítica – disso o narrador encarregou outras personagens. Por que não vermos na nossa protagonista uma figura crística?
Simone Weil, filósofa e teóloga, que experienciou o sofrimento humano e muito reflectiu sobre os pobres (...) a desdita e a solidariedade, afirmou que a verdadeira compaixão não significa apenas «dar coisas materiais» ao desventurado – «mas algo muito diferente das provisões (...) Ao transferir o próprio ser àquele a quem ajudam, dão-lhe por um instante a própria existência de que o outro está privado pela desventura.». Por isso, conclui a autora, esta transferência identifica-se com a doação de Cristo.
Se na primeira parte desta novela, temos o privilégio de saborear a graça da escrita – e todos os estudiosos camilianos reconhecem que nela estão as melhores páginas do nosso Autor – na segunda parte assistimos à escrita da graça através, principalmente, da carga simbólica e emocional dalguns eventos (e elementos) e da excelência da moral social cristã. (Pp. 40-41)
O argumento («Também eu fui abandonada») resulta dum equívoco pois a tese do suicídio era a explicação dominante para a morte de sua mãe; e porque era para aquele meio a mais verosímil, (...) ela foi transmitida a Maria Moisés como um facto – e, assim, viveu-o como a sua cruel verdade entranhada.
Mas esta espinhosa consciência vai ser superada por M M: se quanto à relação dos leitores com o texto, a gestão deste equívoco aviva mais o interesse pelo rumo da história, já quanto ao perfil humano e ético da personagem, isso contribui para o seu encarecimento – na justa medida em que ela não conservou qualquer ressentimento ou mágoa face à mãe... Eis a dupla consequência desta notável estratégia da arte narrativa de Camilo. (Pp. 25-26)
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