(…) E agora há este Carlos Enes, actor numa escrita que é clara como a água das fontes, porque não contaminada pelos filtros do literariamente correcto, da qual não se pode dizer que é «pão, pão — queijo, queijo» (e lá diz o autor a páginas tantas: «Em tempo de crise não há lugar para palavras enfeitadas com redundâncias»), e que demonstra um profundo conhecimento, adquirido pela observação, da língua portuguesa, dos seus falantes, e das potencialidades de uma e dos outros — que o autor muito bem explora com recurso, como exemplos mais evidentes, à catacrese e, sobretudo, ao trocadilho (ou calembour, se quisermos algo mais «chic a valer»), técnicas que, também elas, encontramos nas conversas dos nossos dia-a-dias.

Quem conhece o autor pessoalmente, encontra a cada página deste livro o seu sorriso (simpático, irónico, cáustico…), e isso é reconfortante porque nos faz sentir que não estamos sozinhos: muito do que ele diz é aquilo que nós, leitores, também diríamos; só que foi ele quem o disse — e uso aqui «dizer» em vez de «escrever», porque a sua escrita tem muito do ritmo e da sonoridade da oralidade que, como todos desconfiamos, replica as batidas do coração: lê-lo, é como se estivéssemos a ouvi-lo.

Luiz Fagundes Duarte (Prefácio)