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Sinopse

Quando descobri que contar histórias era falsear factos, confundir situações, evocar memórias falsas, percebi que apenas o que se escreve despojado de pose é genuíno: nunca me interessei por livros extensos, mas por livros bem escritos. No entanto, só recentemente entendi que livros bem escritos são insuficientes e que livros genuínos são bem melhores. Percebi igualmente que a diferença entre boa literatura e literatura genuína é esta: o que é genuíno engloba não só a qualidade, a realidade, a veracidade e a ficção, como, e principalmente, aquilo que, assumidamente falso, entendemos como outra verdade. O que é genuíno prescinde do realismo e da veracidade dos factos: o que é genuíno transcende tudo isso, e torna verdade aquilo que é ficção e mistificação, torna verdade aquilo em que se acredita. E ser-se genuíno, na escrita, é esta fé no que se escreve. Esta fé inexplicável numa verdade que se ama muito mais do que se prova.
Um dos meus contos, aquele que dá título a esta antologia, tem tanto de verdadeiro como de falso, de realidade e possibilidade especulativa. Mas a prova de que é um texto genuíno foi ter-me comovido com ele, no momento em que o escrevi e, mais tarde, o reli. E, ainda melhor, quando o dei a ler às minhas três filhas, em datas diferentes, e cada uma delas não ter resistido a soltar o açude de lágrimas reprimidas pela tensão da escrita. Essa prova de fogo foi, para mim, o melhor julgamento crítico que alguma vez pudesse ser feito sobre a minha obra. E foi assim que intuí que poderia exprimir de uma forma peculiar a minha humanidade.
in nota introdutória do autor

Durante a noite, dormi um sono profundo até ao momento em que percebi que alguém estava acordado e que havia, entre sonho e realidade, entrado no meu cérebro um ruído áspero, o ruído de uma campainha. Depois, não sei ao certo se foi assim, ouvi o murmúrio doce de vozes, gente que se entende, coisas que se dizem como pequenas confissões sobre a nossa pequenez no mundo. E então chegou até mim um grito lancinante, o grito de minha mãe vindo da rua, atravessando o corredor e entrando no meu sonho de onde eu despertei para passar pela experiência mais terrível de toda a minha vida. Mario Garcia morrera nessa madrugada de domingo.
Lee vestiu-se e hesitando entre abrir a porta do quarto e sair, perguntou-me se eu estava bem. Parecia-me estar num sonho. Só consegui acenar que sim e refugiei-me na única energia possível: a vergonha da minha cobardia. Não fui capaz de sair tão cedo daquele quarto. Por uma fracção de segundos, achei que a sua morte era perfeitamente merecida, mas logo recuperei da minha imundície e o canalha de mim se lembrou do que mais amara neste mundo, para além da minha mãe: o meu alegre e envelhecido pai. Queria chorar – parecia-me a única acção possível –, mas tinha as lágrimas queimadas, como se estivesse embrutecido. Senti pavor de me manter silencioso e sossegado, encolhi-me e experimentei então ali toda a indecência que me era permitida, apelando novamente à minha infância protegida.

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Autor

António Jacinto Pascoal

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