A história de amor entre Belmirinha, a menina professora de Coimbra, e Zé Manelão, o salteador, chefe de uma quadrilha, foi a génese deste livro. Tudo o resto – o quotidiano de uma aldeia entre pinhais, as suas comédias e tragédias, a sua escola e respetivos alunos, as políticas e as politiquices, as mães e as meretrizes, a violência e o crime, a esquizofrenia e as intermináveis histórias das romancistas de boca – foi sendo tricotado à volta como rosetas de um xaile.

De repente, o burro estacou e deu um zurro assustado. João Luciano, que entretanto vergara de cansaço e de vinho, levantou o queixo estremunhado e sondou as rodas, para ver se estavam atolados. Ainda não tinha chegado a conclusão alguma, já o barulho de galopes a aproximaremse lhe enregelou a alma. – Agora é que foi! – bradou, pondo as mãos à cabeça. – Esconda-se já conforme puder entre as malas que vem aí a quadrilha do Zé Manelão. Ai, Deus nos acuda! A professora, estarrecida de medo, não se moveu. Ficou sentada onde estava, segurando com força a manta ao corpo, qual escudo roído pela traça, sem tirar os olhos da mancha escura de cavaleiros que se aproximava. Eram sete. Concluiu ao terceiro relâmpago. Um mais veloz à frente, três a seguir e outros três mais atrás. Todos com lenços escuros a aconchegarem-lhe o pescoço. Logo, puxando as rédeas aos cavalos desenfreados, rodearam a carroça em sinal de domínio.