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Sinopse
Paulo Pires do Vale: «O que fazer quando tudo parte? Apanhar e cuidar do que fica, do abandonado, do inútil, do desnecessário, como um dom inicial.»
Aprender a fazer ligamentos. Técnica antiga para consertar o arruinado, os grampos de metal, chamados «gatos», permitem manter unidas as partes de um todo quebrado: um prato, uma terrina, uma travessa que era preciso remendar de forma consolidada. Esses agrafos remetem para um tempo — um mundo, como horizonte de possibilidades definido — em que os objectos não eram pensados para usar e deitar fora, a sua obsolescência era mais demorada. Os objectos necessitavam de atenção e cuidado. O mesmo mundo em que os tecidos eram remendados, cerzidos ou chuleados. Quando dizemos que vivemos numa sociedade materialista, talvez seja um erro repetido demasiadas vezes: na verdade, dá-se pouca atenção ao material, à materialidade, e mais ao capital simbólico do modo de aparecer. Contrariando a sua época, Teresa Pavão promove o tempo do cuidado. Da paciência. Do (re)ligar.
§
Desfuncionalizar para libertar. Os gatos permitiam recuperar uma forma original e restaurar a possibilidade de uma função previamente existente. Religavam as partes de um todo. Sempre que possível, e no melhor dos casos, sem traço visível do ligamento, que ficava escondido nas costas do objecto, no lado habitualmente invisível. Aqui, o que une ganha visibilidade, expande-se, revela-se. Os ligamentos tornam-se tão relevantes como aquilo que ligam. São escultura. Únicos e próprios em cada caso. Autonomizam-se. Tal como aquilo que ligam também se emancipou da função passada. Inutensílios, chamar-lhes-ia Manoel de Barros.
§
Recuperar a narrativa ou a palavra poética como forma de ligamento essencial. Somos fragmentados e, por isso, contamos histórias. Usamos as palavras para preencher os buracos, as falhas. Elas são o ligamento, os gatos, que acrescentamos ao mundo partido. Também estas peças permitem à artista, e aos espectadores atentos, contar ou escutar histórias. E descobrir famílias. E procurar sentido. Um suplemento de sentido.
[Paulo Pires do Vale]