«Em Petite Plaisance, quando empurra a porta, por baixo da varanda de onde
pendem espigas de milho (símbolo local de prosperidade, oferenda a um qualquer
deus desconhecido, deixado pelos índios, quem sabe?), o visitante tem o sentimento
de penetrar com naturalidade numa terra onde o ar é diferente. O olhar de Marguerite
Yourcenar, ao mesmo tempo longínquo e cortês, com algo de irónico, pousa
sobre ele, avalia-o, julga-o. E começa então a falar, com a segurança daquele que
acredita
»
Este livro reúne diversas entrevistas que Marguerite Yourcenar (1903-1987)
concedeu a Matthieu Galey. Ao longo dessas conversas, Yourcenar descreve o
itinerário da sua existência nómada, desde a infância _amenga antes da Guerra de
1914, junto de um pai excepcional, até à deslocação para a ilha de Montes Desertos,
na costa este dos Estados Unidos.
Mesmo ao abordar a sua vida quotidiana, Yourcenar revela um invulgar dom
para situar os seres, os acontecimentos e as circunstâncias numa perspectiva mais
ampla. Sem reservas, com uma simplicidade e sabedoria conquistada ao longo dos
anos, os «olhos abertos» de Yourcenar demoram-se nos mais variados aspectos do
mundo antigo e contemporâneo.
No conjunto, este é o testemunho que Yourcenar nos deixou sobre os seus sentimentos,
acções e pensamentos.
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Marguerite Yourcenar
Marguerite Yourcenar (quase um anagrama do seu apelido verdadeiro, Crayencour) nasceu a 8 de Junho de 1903 em Bruxelas. Escreveu romances como Memórias de Adriano e A Obra ao Negro, e várias novelas. Publicou poesia e traduziu Virginia Woolf, Kavafis, Henry James e espirituais negros. Foi ainda ensaísta e crítica.
Primeira mulher eleita para a Academia Francesa, em 1980, afirmou não conceder importância a tal distinção.
A sua infância foi invulgar. A mãe morreu quando ela tinha dez dias, sendo educada pela rígida avó paterna e pelo pai, ligado à aristocracia, um viajante inconformista que desempenhou um papel de relevo na sua formação pessoal e literária.
Marguerite Yourcenar passava os Invernos em Lille e os Verões, até aos 11 anos, na propriedade familiar em Mont Noir. Estudou em casa e o seu pouco memorável livro de poemas, Le Jardin des chimères, saiu em edição de autor quando tinha 18 anos.
Acompanhou o pai em viagens a Londres, durante a Primeira Guerra Mundial, à Suíça e a Itália, onde descobriram a Villa Adriana.
Em 1929 publicou o seu primeiro romance com um título de influência gideana, Alexis ou Tratado do Vão Combate, que é, com Fogos e O Golpe de Misericórdia, um dos seus raros textos que abordam temas da actualidade.
Depois da morte do pai, em 1929, Yourcenar decidiu gastar a herança numa vida de boémia, passada entre Paris, Lausanne, Atenas, as ilhas gregas, Constantinopla, o Cáucaso e Bruxelas.
Teve relações amorosas com algumas mulheres e apaixonou-se por um homossexual, André Fraigneau, escritor e editor da Grasset.
Foi nesse período que saíram os Contos Orientais, o fragmentário Fogos e a novela O Golpe de Misericórdia, baseada numa história que lhe foi contada por familiares dos protagonistas e que se desenrola durante a guerra polaco-soviética de 1920.
Em 1939, o seu conhecimento da Alemanha nazi e a falta de recursos levaram-na a partir para os EUA, juntando-se a Grace Frick, sua companheira havia dois anos e com quem viveu até à morte desta, em 1979. Yourcenar tornou-se cidadã americana em 1947, tendo ensinado Literatura e História da Arte.
A partir de 1950, instalou-se com Grace na ilha de Montes Desertos, designando a sua casa em madeira por Petite Plaisance.
O que lhe permitiu deixar a sua actividade docente foi o êxito internacional de Memórias de Adriano (1951).
Durante o período que viveu em Northeast Harbor, na ilha de Montes Desertos, Yourcenar realizou diversas viagens, algumas longas, com o seu último secretário, Jerry Wilson (em meados dos anos 60 visitara Lisboa, Sintra, Évora e a Madeira).
Marguerite Yourcenar gostava de ser ao mesmo tempo reconhecida e quase inacessível. Era reservada e altiva, uma alma ardente e um pensamento exacto, com uma escrita capaz de iluminar a tragédia sem lhe dissipar por completo as sombras. Dominava o grego, que aprendeu com o pai, e o latim. Eram-lhe familiares muitos textos antigos.
A sua obra percorre variados registos, desde o inicial romance realista às obras passadas na Antiguidade ou no Renascimento, inscrevendo-se deliberadamente à margem das correntes dominantes, num estilo clássico que se demorava na sageza dos pensamentos. A filosofia greco-latina e os pensadores renascentistas influenciaram muito do que escreveu.
Faleceu a 17 de Dezembro de 1987. Está enterrada no Cemitério de Brookside, em Somerville, no Maine.
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