A Maldoror traz mais um autor inédito em Portugal; José Emilio Pacheco é um dos escritores mais importantes da literatura mexicana do século xx, sendo um dos mais galardoados. Embora tenha tocado todos os géneros: conto, romance, ensaio, crítica… «era aqueloutra vida foragida dessa pequenina e mortal biografia dos costumes, do pó de biblioteca, a respiração assistida da poesia relida e reescrita, parida e repartida, sempre em transe de ser outra coisa, a única que lhe interessava.» A selecção e tradução dos poemas esteve a cargo do Miguel Mochila, que escreveu também uma breve introdução.
«Traduzir estes poemas escritos por quem, morrendo amplamente laureado, recusou o velório pomposo no Palácio de Belas Artes da Cidade do México para ir arder no seu velho Colégio Nacional, onde, rodeado de laranjeiras e limoeiros, soía trocar dois dedos de conversa com os passeantes, é com certeza um modo de ir ao jardim plantar mais uma rosa. Que seja uma rosa tosca — para que haja sempre quem não desista de procurar mais rosas.»
INDESEJÁVEL
Não me deixa passar o guarda.
Ultrapassei o limite de idade.
Venho de um país que já não existe.
Os meus papéis não estão certos.
Falta-me um selo.
Preciso de outra assinatura.
Não falo a língua.
Não tenho conta no banco.
Chumbei no exame de admissão.
Cancelaram o meu posto na grande fábrica.
Desempregaram-me hoje e para sempre.
Careço por inteiro de influências.
Ando neste mundo há longo tempo.
E os nossos amos que já é hora
de me calar e afundar no lixo.
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José Emilio Pacheco
Que um poeta como José Emilio Pacheco morra após bater com a cabeça parece quase prometido. Nado, (mal)criado e finado na Cidade do México (1939-2014), em “sentido contrário” escreveu contusa, repetidamente, uma e outra vez batendo com a cabeça contra um maciço de ruínas: o México, pois claro, mas sempre como súmula da continuada história dos massacres humanos, sinédoque da “fossa comum” do mundo todo, prenúncio de um presente (ainda mais?) bruto, se continuamos, afinal, diz-nos repetidas vezes a sua poesia, “a viver o tempo dos assassinos”.»
Nascido na Cidade do México a 30 de Junho de 1939, foi em casa que José Emilio Pacheco entrou no mundo das letras; primeiro como ávido leitor de Júlio Verne, Oscar Wilde, Jorge Luis Borges, mas também com as tertúlias que os pais aí promoviam e por onde passaram Juan José Arreola, José Vasconcelos ou Martín Luis Guzmán, entre outros.
Mais tarde, a curta passagem no curso de Direito da Universidade Nacional Autónoma do México serviu-lhe para dar início à sua vida literária, começando a publicar em revistas estudantis, e, durante a década de 1960, estendeu a sua actividade, colaborando com diversas publicações, e traduzindo nomes maiores da língua inglesa: Samuel Beckett, Walter Benjamin, Oscar Wilde, T. S. Elliot, Walt Whitman, Hemingway, Faulkner… Por fim, viria a dar aulas em universidades do México, Estados Unidos, Canadá e Inglaterra.
O escritor José Emilio Pacheco tocou todos os géneros: conto, romance, ensaio, crítica… mas, «pesem embora os manuais escolares, era aqueloutra vida foragida dessa pequenina e mortal biografia dos costumes, do pó de biblioteca, a respiração assistida da poesia relida e reescrita, parida e repartida, sempre em transe de ser outra coisa, a única que lhe interessava.»
José Emilio Pacheco é um dos escritores mais importantes da literatura mexicana do século XX. Sendo um dos mais galardoados, é também, sem dúvida, um dos mais modestos. «Com efeito, o “grande poeta mexicano”, o pluripremiado que só em 2009 fez inaudita dobradinha arrematando o Reina Sofía e o Cervantes, costumava dizer com facécia que não era sequer o melhor escritor do seu bairro. O título, esse, deixava-o ao vizinho Juan Gelman, amigo mui estimado a quem dedicou o seu último texto, um artigo para uma revista que, chamando-se ela Proceso e sendo ele póstumo, se fez o belo corolário de toda uma poesia.
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