INTRODUÇÃO

"Para se fazer a história da «carreira da índia durante os séculos XVI e XVII» — com o seu grande significado económico, mas também com os seus sucessos por vezes desconcertantes — é, em minha opinião, indispensável proceder em primeiro lugar ao estudo das várias ou, pelo menos, das mais importantes relações das armadas que em cada ano partiram do Reino para o Oriente. Dessas relações, por vezes contraditórias quanto às notícias que nos transmitem, só um pequeno número foi publicado; as inéditas constituem um bom lote de códices dispersos por diversas bibliotecas. Ora aquele estudo só poderá ser levado a bom termo quando quem se empenhe em fazê-lo disponha, a par dos textos impressos, também dos mais significativos que se conservam manuscritos.
A tarefa de divulgar estes últimos é iniciada pelo presente trabalho da Senhora Dr.a D. Maria Hermínia Maldonado, Técnica Superior da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra; nele transcreve e comenta, com escrupulosa meticulosidade, o texto do Códice Add. 20902 da British Library.
Deu-se preferência a este manuscrito, não só por se atender à sua inacessibilidade para a maioria dos historiadores interessados no assunto, mas também por ser, a par de um Códice da Biblioteca de Évora (Cota: XCV-1-20), riquíssimo nas informações que fornece; aliás pode-se dizer que, com as copiosas anotações que o enriquecem, este manuscrito da British Library como que inclui duas «relações» sobrepostas.
Estou certo de que um estudo aprofundado da «carreira da índia» reflectirá de maneira muito clara as vicissitudes da política ultramarina portuguesa durante o século XVI; c mostrará também que a instauração da dinastia filipina não teve imediatamente implicações na decadência da «rota do Cabo»; com efeito, ao percorrer as páginas deste Códice, colhe-se a impressão de que Filipe II, através de medidas adequadas, pôde imprimir novo alento às actividades dos Portugueses na índia. É, todavia, certo, que também através do manuscrito se confirma a ideia de que foi durante o reinado desse rei intruso que os actos de pirataria contra as naus da «carreira» se intensificaram.
Mas o que o estudo acima referido há-de certamente permitir, é que se faça um balanço quantitativo, ainda que só aproximado, do presumível valor das mercadorias orientais que afilaram a Lisboa por via exclusivamente marítima durante aqueles dois séculos.
E como, repito, as «Relações das Armadas» são as primeiras fontes para esse estudo, é intenção da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra ir sucessivamente transcrevendo aquelas que ainda se conservam inéditas, para tornar mais fácil a sua utilização. E sei que, para essa tarefa, posso contar com o dedicado apoio dos Técnicos Superiores que na Biblioteca trabalham."

Coimbra, 30 de Abril de 1982.

O Director da Biblioteca Geral
Luís de Albuquerque