Quando, em 1936, os socialistas do Left Book Club encomendaram a George Orwell uma reportagem sobre as condições de trabalho dos mineiros ingleses, nada os preparava para a obra imensa que lhes chegaria às mãos. A caminho de Wigan Pier, infiltrando-se como a chuva e o vento por entre as brechas das casas degradadas do Norte de Inglaterra, descendo com os mineiros às catacumbas da existência, Orwell narra, com detalhe e sensibilidade, a história de sobrevivência de uma comunidade acorrentada ao desemprego e a trabalhos inumanos. E eis que, na polémica segunda parte do livro (que o editor do clube socialista só publicaria a contragosto), se acende uma luz ao fundo do longo e tenebroso túnel. Numa prosa clara, carregada de ímpeto e ironia, Orwell assume frontalmente o privilégio de ter crescido no conforto da classe média, recusa a trincheira ideológica em que o queriam atirar e faz a ponte para uma visão crítica — e não menos convicta — do que entende por socialismo. Acima de teorias políticas, acima de intelectuais amigos ou detractores, acima de preconceitos de classe que eram também os seus, O Caminho para Wigan Pier (1937) subsidia a construção de outro mundo possível, mais fraterno e solidário, tão longe da miséria fomentada e ignorada pelo capitalismo industrial do seu país como da distopia totalitária imaginada, anos depois, em Mil Novecentos e Oitenta e Quatro.
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George Orwell
Eric Arthur Blair nasceu a 25 de Junho de 1903, em Bengala, na Índia — na altura, uma colónia do Império Britânico —, mas cedo a mãe se mudou com os três filhos para Oxfordshire, na Inglaterra. Aí viveriam nos anos seguintes, embora sem a presença do pai, que foi trabalhar para a Irlanda.
Em 1911, Eric foi estudar para o colégio interno St. Cyprian’s, onde fez amizade com Cyril Connolly, que se tornaria escritor e editor da revista Horizon, que publicaria vários ensaios de George Orwell. Blair conseguiu uma bolsa de estudos para ingressar no prestigiado Eton College, também em regime de internato, onde estudou entre 1917 e 1921. Teve como professor Aldous Huxley, e aí publicou os primeiros escritos, em jornais académicos, mas as notas baixas aliadas aos fracos rendimentos familiares, impediram-no de prosseguir estudos na universidade. Esta impossibilidade, alimentada pela existência de parentes na região, levaram Blair a rumar à Birmânia, onde serviria na Polícia Imperial Indiana, entre 1922 e 1926. Esta foi uma experiência marcante para Blair, que se sentiu envergonhado pela opressão ali exercida pelos britânicos e que viria mais tarde a relatar no romance «Dias na Birmânia» e em vários ensaios.
De volta a Inglaterra, e já com a intenção de se tornar escritor, Blair renunciou então ao seu posto na Birmânia e instalou-se inicialmente em Londres, dando aulas nalgumas escolas particulares. A sua repulsa contra o imperialismo levou-o a rejeitar o estilo de vida burguês, mas interessava-lhe também explorar a vida dos pobres e marginalizados da Europa. À semelhança de Jack London, escritor que muito admirava, resolveu observar mais de perto as zonas pobres de Londres, mas também de Paris, onde viveu uma temporada, em 1928. Nestas duas cidades europeias, passou fome, trabalhou como lavador de pratos, e viveu entre vagabundos, percorrendo com eles as estradas, já em Inglaterra, e pernoitando em albergues. É o relato destas experiências que lemos no seu primeiro livro, «Na Mó de Baixo em Paris e em Londres», publicado em 1933, onde conjuga o nome do monarca de Inglaterra com o do rio que banha East Anglia para compor o pseudónimo que lhe ficará para a vida: George Orwell.
Orwell prossegue com a publicação de alguns romances durante a década de 1930 — «Os Dias na Birmânia»; «A Filha do Pároco» — mas também com a publicação de ensaios e do seu trabalho como professor. A sua visão crítica da sociedade foi-lhe moldando cada vez mais as convicções políticas, e, em 1937, publicou «O Caminho para Wigan Pier», relato da sua experiência a viver entre a comunidade operária, maioritariamente mineira, do norte de Inglaterra, onde encontrou péssimas condições de trabalho, muito desemprego, pobreza extrema, fome. A acompanhar o relato, Orwell escreve severas críticas ao poder político e à sociedade, naquele que é considerado o seu primeiro livro socialista e onde usa o tom crítico, alerta e mordaz que lhe marcará os restantes escritos.
Com o intuito de combater o fascismo, em ascensão na Europa, Orwell foi para a Catalunha, ainda em 1936, e juntou-se à milícia republicana que combatia na Guerra Civil, servindo nas frentes de Aragão e Teruel pelo POUM — Partido Operário de Unificação Marxista. Regressou a Inglaterra já em 1937, depois de ter sido gravemente ferido no pescoço, ficando com danos permanentes na garganta, a juntar aos problemas respiratórios — como a tuberculose — que o atormentariam até ao fim da vida. O relato desse período, deixou-o nas páginas de «Homenagem à Catalunha», publicado no ano seguinte.
Na impossibilidade de se alistar para combater na Segunda Guerra Mundial por motivos de saúde, foi chefiar o serviço indiano da BBC, mas em 1943 tornou-se editor literário do «Tribune», onde escreveu centenas de artigos, recensões e críticas.
Em 1945, Orwell publicou «A Quinta dos Animais», fábula política inspirada na Revolução Russa, onde um grupo de animais derrota e expulsa os seus exploradores e constrói uma sociedade igualitária, para a verem entretanto dominada por uma ditadura ainda mais opressiva do que a anterior. Uma pequena obra-prima que seria apenas ofuscada pela obra seguinte de Orwell, o incrível romance distópico «1984». Publicado em 1949, e considerado uma das obras-primas do século XX, em «1984», George Orwell, claramente inspirado pela acção do estalinismo durante a Guerra Civil de Espanha, reflecte sobre os perigos do totalitarismo.
George Orwell pouco aproveitaria a fama; extremamente debilitado, e com o agravamento da tuberculose, viveu os últimos meses internado e morreu a 21 de Janeiro de 1950, com quarenta e seis anos.
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